a mulher das duas canadianas
quero contar esta história, alguma coisa me diz da sua importância, mas não sei como faze-lo. ainda nem comecei e já me preocupam as conclusões que hei-de tirar. Se sou má nos títulos, pior sou na hora de concluir. O título fui busca-lo a um retrato a óleo que nem sei se existe, a conclusão que seja a que o leitor quiser. Ficam para mim os factos desta minha história. Bem pequena, não demorou mais que do mercado à estação nova.
O autocarro não ia cheio e por isso ninguém teve que se levantar quando a mulher entrou com estranha ligeireza para quem se apoia em duas canadianas. Sentou-se no banco em frente ao meu, ao lado de outra velha dorida (daqui prá frente designada por vd).
-ai as minhas pernas
vd – também já não são novas.
- em novas estavam elas bem piores, estive numa cama dos sete anos até aos sessenta. Comecei no Alcoitão e corri todos os sanatórios, de uma cama para a outra. Só aos sessenta anos me operaram aqui em Coimbra e comecei a andar.
vd- e que idade tem agora?
espante-se agora o leitor como eu me espantei
- noventa, a fazer noventa e um, mas agora doem-me as pernas.
e não tendo mais a dizer, saiu, tão direita e ligeira como tinha entrado. ali ficou, noutra paragem de autocarro, a ver-me passar, sem saber que a trazia comigo.
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