os meus tios mortos (II)
eu bem sei que sou uma tagarela, pior que uma arara, catatua ou qualquer desses bichos falantes, desata-se-me a língua e não me calo mais, uma história entronca na outra e a outra na outra. Esta começou ali em baixo mas o verão também serve para repor o nível das histórias de contar e entroncar. No arrumo e desinfecção da arca das cobertas apareceu-me de novo a fotografia do meu tio morto, um rapagão bonito vestido com a farda da mocidade no meio das rendas brancas. Os cultos da morte da minha aldeia já deram que falar e até um programa da tv. Miúda ficava-as a ouvir aterrorizada, ai a minha mãezinha que já não me faz mais bolinhos, ai a minha mãezinha, mais os sinos que tocavam diferentemente se era homem, mulher ou anjinho. Anjinho era o mais comum, a cada verão eram às dúzias e o povo considerava essas mortes uma bênção, porque que é que Nosso Senhor não mos levou todos em anjinhos? Mas o meu tio já não era anjinho, era um rapagão bonito de oito anos e as mulheres não se conformavam, se ao menos fosse o José que é tão fraquinho, se ao menos fosse o José, e o José fraquinho a ouvir e a responder às velhas, morra quem o diz, morra quem o diz.
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