5.4.08

Os meus tios mortos

Foram sempre mortos estes meus tios, dois irmãos do meu pai, um morreu anjinho e o meu pai, que nasceu depois, herdou-lhe o nome, coisa esquisita ficar com o nome do irmão morto, como se não houvesse outro nome. O outro era já um rapagão quando adoeceu com carbúnculo, que naquela época não era coisa de terroristas mas, fatalidade comum de quem convivia com o gado, e o carbúnculo o levou.
Um dia em que vasculhávamos as arcas escuras da casa dos meus avós, descobrimos, no meio das mantas, dos cobertores de papa e das bolas de naftalina, uma fotografia ricamente emoldurada, a fotografia de um menino de calções e camisa, meias até ao joelho, uma ferida no canto da boca, rodeado de rendas e flores, terço nas mãos e estranhamente adormecido. O meu tio morto, que por certo fez parte da decoração da sala da casa até alguém, talvez a minha mãe, o esconder dos nossos olhos curiosos, que meninos mortos não eram coisas para crianças da cidade.

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