19.5.09

Crises





Em 1969 como em 1962, como em tantas outras datas marcantes da luta contra a ditadura, as Repúblicas de Coimbra tiveram papel preponderante, nomeadamente através do seu órgão de representação, o Conselho de Repúblicas. A Direcção da AAC em 1969, encabeçada por Alberto Martins teve origem numa lista apoiada pelo CR. Eram as Repúblicas espaços de liberdade e de intenso diálogo e confrontação de ideias, se muitas eram de esquerda, outras eram tendencialmente de direita, poucas amorfas. Por elas passaram Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira mas também Almeida Santos, Aires Rodrigues, Acácio Barreiros e um número infindável de políticos, escritores, artistas; não há República que não tenha na sua história uma lista alargada de famosos. Eram espaços masculinos, a primeira República feminina, a República Rosa de Luxemburgo surgiu apenas em 1972.
A seguir ao 25 de Abril as Repúblicas e o seu Conselho atravessaram um período de indefinição e até de abandono, mas a maioria sobreviveu. O Conselho de Repúblicas, como órgão de representação, ressurgiu nos anos 80. Nos anos 80, altura em que eu as frequentava, a maioria das Repúblicas estavam pujantes, era fácil encontrar bons candidatos - entrava-se para elas por proposta de um dos repúblicos- e eram locais de vida comunitária e de intervenção social e política intensas. Embora existissem Repúblicas para todos os gostos.
Fui fundadora da República Marias do Loureiro, que na minha época era apenas uma casa comunitária (só nos anos 90 passou a República), em frente tinha a Baco, ao lado os Galifões e os Corsários das Ilhas, abaixo o Bota-Abaixo, na rua ao lado (a Rua da Matemática) a Rás-Te-Parta, o 40, o 44 e os Incas. Toda a gente se conhecia e era fácil a mobilização, ficaram famosas as feijoadas da Rua da Matemática. Dividiam-se as despesas, e por isso o telefone estava muitas vezes cortado e às vezes pedia-se comida emprestada à República vizinha, dividiam-se tarefas (embora muitas Repúblicas tivessem cozinheira profissional –vida dura a destas senhoras), faziam-se as refeições em conjunto. Com o fim do século as Repúblicas foram entrando lentamente em crise, os rapazes e as raparigas que vêm estudar para Coimbra buscam o conforto dos apartamentos modernos e, sobretudo, não estão dispostos às cedências e à tolerância exigidas por uma vida comunitária intensa. Para além disso as Repúblicas têm alguma má fama, de habitadas por gente “esquisita”. O que é bastante injusto. Mas sim, estive no sábado no Centenário (festa anual de cada República, um ano numa República vale por 100) de uma delas, invadida por erasmus muito “esquisitos”, não se ouve falar português sem sotaque que, se outros defeitos não houvesse, não conferem às casas a essencial continuidade. Vão e vêm a cada meio ano, nem sequer têm tempo para um banho de história. Receio que agora seja mesmo a morte das Repúblicas.

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