Isatambul (III): a religião
Estive em Istambul durante o Ramadão e o que conheci foi uma metrópole religiosa e dentro das religiões, uma grande cidade islâmica (embora fosse fácil de perceber a presença das comunidades judaica e ortodoxa). Mas se tivesse que escolher duas imagens associadas a Istambul viriam em primeiros lugares a água (o Bósforo, o mar de Mármara e o Corno de Oiro) e as Mesquitas.
Um dia entrei sozinha numa das portas laterais da Mesquita de Suleyman, sem reparar que era hora de oração em que as visitas estão vedadas, fui parar a uma sala onde homens rezavam, fiquei aterrorizada com a heresia e a imaginar-me trucidada por fundamentalistas em vez de recuar fugi para a sala seguinte. Azar o meu, aí rezavam as mulheres respondendo às orações que se faziam ouvir da sala masculina. Cobri a cabeça e colei-me à parede da sala, com todo o respeito, esperando que a cerimónia não demorasse muito, enquanto isso as mulheres recitavam e recitavam, baixando-se, ajoelhando-se, deitando-se, levantando-se e recitavam e recitavam interminavelmente. Era de mais para mim cada vez mais colada à parede, mas para sair teria que passar de novo pela sala dos homens... Seja o que Deus, Alá, ou esta gente quiser - escapei-me o mais depressa que pude, sã e salva, claro.
Descubro agora, através de Pamuk, uma Istambul laica: com Ataturk e a república e o desejo de se ocidentalizarem a religião ficou um apanágio dos pobres, como uma necessidade.
“Quando esta relação que os pobres e os desvalidos mantinham com Deus se limitava a lembrar que tinham necessidade de ajuda, para mim e para os outros membros da casa não havia qualquer desconforto. Diria mesmo que o facto de eles recorrerem a outrem, de existir uma força que não fossemos nós para “se encarregar deles”, nos dava um certo alívio. Mas esta maneira de alijarmos o nosso fardo para os ombros de Deus também nos inquietava às vezes, porque assim lhe reconhecíamos uma omnipotência que eles poderiam um dia utilizar contra aqueles que, como nós, eram desprovidos de fé religiosa, ou pelo menos fazer disso uma força susceptível de despertar em nós alguma inveja.”
Orham Pamuk “Istambul”
Descubro agora, através de Pamuk, uma Istambul laica: com Ataturk e a república e o desejo de se ocidentalizarem a religião ficou um apanágio dos pobres, como uma necessidade.
“Quando esta relação que os pobres e os desvalidos mantinham com Deus se limitava a lembrar que tinham necessidade de ajuda, para mim e para os outros membros da casa não havia qualquer desconforto. Diria mesmo que o facto de eles recorrerem a outrem, de existir uma força que não fossemos nós para “se encarregar deles”, nos dava um certo alívio. Mas esta maneira de alijarmos o nosso fardo para os ombros de Deus também nos inquietava às vezes, porque assim lhe reconhecíamos uma omnipotência que eles poderiam um dia utilizar contra aqueles que, como nós, eram desprovidos de fé religiosa, ou pelo menos fazer disso uma força susceptível de despertar em nós alguma inveja.”
Orham Pamuk “Istambul”
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