8.7.08

O velho Doutor Jaime

O velho Doutor Jaime, médico muito sábio, tratou-me quando ele já tinha mais de 90 anos e eu enfrentava as crises da adolescência. Era um homem muito grande e habitava uma mansão de outros séculos, rodeada de velhas árvores e de um imponente muro de pedra. E, como era comum aos médicos de antanho, tinha consultório no rés-do-chão da própria casa. Apesar de abastado, fazia uma vida simples, contava ele ter feito as últimas férias em 1950 e qualquer coisa (ou outro ano qualquer, que para o caso não interessa) e acrescentava "não gostei, uma canseira de malas e hotéis". Assim, passava os meses de Junho a Setembro, enfronhado na biblioteca da casa, fresca e confortável, e atendendo os padecentes que lhe batiam à porta. Por retirado não estava menos informado das coisas do mundo e sobretudo da medicina. O que não lia em jornais - para quê se só trazem desgraças- sobrava-lhe em literatura, e lia o The Lancet de fio a pavio. Eu visitava-o muitas vezes, cheia de maleitas que não eram mais que angustias juvenis e ele, depois de me pôr a par das ultimas do The Lancet, acabava a consulta com “e não leias coisas complicadas, minha filha, lê Júlio Dinis, lê Júlio Dinis”.

No comments: