17.7.08

Do caril


A leitura do Doutor Homem veio recordar-me a minha bisavó Maria do Carmo. Na casa da minha bisavó, senhora nada e criada nas serranias do concelho de Arganil, e que de lá apenas saiu para vir para Coimbra e dar estudos aos filhos, pois na casa desta minha bisavó, ao domingo, religiosamente, tão certo como ir à missa, comia-se caril, maravilhosamente confeccionado pela bisavó. A sobremesa podia ser arroz-doce, aletria ou tigelada ou qualquer outra novidade, quanto ao resto, caril, sempre caril. Toda a gente sabe que a moda das especiarias indianas e das comidas apimentadas a gindungo nos chegou da colónia africana do Índico, mas a minha bisavó já fazia o caril muito antes de ter cruzado os oceanos para visitar a filha em Lourenço Marques (tinha ela mais de oitenta anos, viajou sozinha e ainda meteu na ordem o comissário de bordo que teve o descaramento de a tratar por avozinha). Certo que se existe essa coisa de povo português, uma das suas mais fantásticas características é esta suprema capacidade de aculturação, de apanhar coisas novas e de as misturar com as de sempre, não lhes chamemos gentes de vistas estreitas.

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