23.2.08

A carramulita

Fui a primeira filha, a primeira neta e primeira bisneta, a primeira sobrinha, a primeira. A Isabelinha, o bebé lindo do seu pai.
O meu reinado foi curto, um ano depois nascia o meu primeiro irmão e, logo a seguir, a minha irmã parvinha. A minha irmã pequenina e engraçadinha, a escolhida para todas as representações, porque se era assim, uma delícia de criança, e eu... a carramulita. Ainda fui uma vez escolhida para menina das alianças, mas na hora de as entregar ao Padre fugi pela igreja fora. Menina das alianças nunca mais, até porque havia a minha irmã. Ainda fui uma vez a escolhida para levar o ramo de flores numa cerimónia protocolar, mas entreguei o ramo à pessoa errada e dei cabo do protocolo. Entregar ramos de flores em cerimónias oficiais nunca mais, porque felizmente para os adultos, havia a minha irmã, que nunca se enganava na pessoa a quem devia entregar as flores - e se se enganasse era imediatamente desculpada, tão engraçadinha.
A minha irmã era a minha vergonha e o meu pesadelo. Um dia, casava-se o meu tio e a minha irmã parvinha ia ser a menina das alianças, num vestido de bordado inglês, touquinha branca na cabeça. Eu nem havia de ir mas, na hora da cerimónia, não tiveram a quem me deixar e, à pressa, enfiaram-me num vestido horrível, xadrez castanho, castanho! como se fora menina de orfanato. Fecho os olhos e vejo-me como se estivesse no cinema, eu, no meu horrível vestido castanho, as pernas muito magras e uns óculos na cara, a coser-me pelos cantos, observando de longe a minha irmã, touquinha branca, vestido de bordado inglês, esbanjando charme, tão engraçadinha.