18.9.07

Da felicidade e do infortúnio

Na barraca da sua prisão, Pierre ficou ciente, não só com a inteligência mas com todo o seu ser, com a sua vida, de que o homem foi criado para a felicidade, que a felicidade residia no próprio homem, na satisfação das suas necessidades humanas naturais, e que toda a desgraça não provinha da carência mas do excesso; mas agora, nas três últimas semanas de marcha, ficou ciente de mais uma nova verdade consoladora: no mundo nada havia de assustador. Ficou a saber que, do mesmo modo que não existia uma situação em que o homem fosse totalmente feliz e livre, também não existia para o homem uma situação de infelicidade absoluta e de privação total da liberdade. Ficou a saber que havia um limite para o sofrimento e um limite para a liberdade, e que estes limites estavam muito próximos; que o homem que dormia num leito de rosas, ao ver uma pétala enrolada, sofria tanto como Pierre ao adormecer agora na terra fria e húmida, com um lado do corpo gelado e outro quente; ficou a saber que, quando dantes ele calçava os seus sapatos estreitos de baile, sofria tanto como agora que andava descalço (o calçado dele há muito que se desfizera), com os pés cheios de feridas. Ficou a saber que, ao casar-se com a sua mulher de livre vontade (como lhe parecia naquela altura), não era mais livre do que agora em que o fechavam de noite na cavalariça.


Leon Tolstói, Guerra e Paz

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