20.3.06

O meu avô José

O meu avô José faria anos por estes dias de Março. Nasceu numa aldeia minhota e era filho de lavradores mais ou menos abastados. Nunca deixou de ser um minhoto dos pés à cabeça. Apesar de não ter nascido no pior dos berços não passou pela cabeça dos meus trisavós pô-lo a estudar. O meu avô tinha duas irmãs e não havia outro varão para herdar e cuidar das terras. E é o meu avô José que conta na sua Autobiografia:

- O primo de Virães mandou-me perguntar
Um dia, em que me ouviu cantar atrás do arado,
Se em vez de lavrador, de certo um depenado,
Não queria tomar uma outra actividade;
Tirar um cursozinho (como era vontade
Sua e da mana). Se fosse do meu gosto,
Se eu sentisse desejo e estivesse disposto
A estudar com os primos da casa do Outeiro,
Pagavam do seu bolso, davam-me dinheiro,
Para estar num colégio ou em qualquer pensão.


A mana do primo de Virães era madrinha do meu avô e resolvera custear os estudos do afilhado. Tinha o meu avô José dezasseis anos quando rumou à casa do Padre Álvaro Cruz que o preparou para o exame do segundo ano do liceu. Depois, entre Guimarães e Braga, acabou o liceu e chegou a Coimbra.

E como ele conta:

Consegui encafuar-me na rua das Flores,
Onde alguém me guardara um quarto pequenino
A fim de prosseguir, feliz, o meu destino.
Não tendo luz eléctrica – em casa não havia –
Estudei alemão, inglês, filosofia.
Estudei com prazer, também literatura,


Foi colega de curso do Vitorino Nemésio e privou com o Miguel Torga e José Régio. Foi aluno do Paulo Quintela a quem temia. Os versos dedicados ao Vitorino Nemésio no Livro de Curso são da autoria do meu avô e ao que me parece os dois eram bastante chegados. Contava o meu avô que ia estudar amiúde para casa do Nemésio, que, ao contrário dele, era rico e vivia confortavelmente. E que, durante as tardes de estudo, a criada trazia para a mesa pratinhos com línguas de gato, mas quando chegava a hora do lanche apenas o Nemésio era convocado, ficando o meu avô às voltas com o buraco que tinha no estômago.
E apesar do afortunado amigo se ter tornado escritor e poeta famoso enquanto ele, que também tinha pretensões a poeta, coleccionava filhos e ensinava línguas a meninos do liceu, apesar disso, o meu avô José nunca perdeu a estima pelo colega açoriano. Sempre recordo a quase veneração com que assistia aos “Se bem me lembro” do Nemésio – ai do neto que fizesse barulho ou o distraísse do programa.

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