13.1.10

naquele mês de Maio

elliot erwitt

Depois aconteceu tudo muito rapidamente, naquele mês de Maio, deixámos de ter aulas ao sábado de manhã. Antes disso já o director tinha sido saneado, em assembleia de professores, imagino. O director a sair da escola, a pedir ao único funcionário que se lhe mantinha fiel para verificar se estava tudo bem com o carro, dezenas de miúdos de dez, doze anos a gritarem palavras novas, fascista, e também, porco, fascista, a cara de espanto de alguns professores. Não sei porque é que ninguém fala disto quando se fala da lindeza daqueles primeiros dias de liberdade. No liceu também houve confusão, havia que sanear o reitor e nem todos estavam de acordo. A minha mãe não estava de acordo, pelo menos com os métodos, o pai da minha melhor amiga defendia o saneamento imediato e sem concessões. O pai da minha melhor amiga* e a minha mãe eram colegas e éramos vizinhos, e até aí sempre se tinham dado bem, a minha mãe dizia, tenho uma grande admiração pelo A., é dos melhores professores que já conheci, uma competência. Uma tarde, naquele mês de Maio, eu saltava à frente da minha mãe pelas ruas do comércio, possivelmente cantarolava uma das cantigas de canto livre da moda, quando à minha mãe lhe sai, num sussurro, vem aí o A.; cruzámo-nos, a minha mãe, saudou, boa tarde, o pai da minha melhor amiga virou a cara e não respondeu à saudação, ainda hoje sinto a angústia daquele momento. Aquilo eram coisas de adultos, embora naqueles tempos a distinção entre adultos e crianças estivesse bastante atenuada - no ano seguinte o meu irmão de doze anos haveria de empunhar uma bandeira, feita como uma fralda lá de casa, proletário junta-te ao MRPP – e nós, crianças, continuámos a circular por ambas as casas. Mas nesses meses perdi muita da inocência – cedo demais.


* encontrámo-nos ontem, no facebook, 35 anos depois.

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