31.1.08

Da remodelação


Sócrates está proibido de o assumir – seria um suicídio político – mas conhece bem os riscos. Neste cenário de incerteza, sabe também que ficou mais vulnerável à agitação das ruas. Correia de Campos era, neste sentido, o elo mais fraco. Há muitos anos que um ministro não juntava tantos ódios. Um joelho esfolado bastava para que se fizesse uma manifestação à porta de um hospital. A hemorragia era evidente: quanto mais o ministro falava, mais se afogava. Não que dissesse asneiras, simplesmente já ninguém confiava nele. Manuel Alegre explorou a ferida para se promover. As críticas não rimavam, mas o alvo era fácil e não tinha quem o defendesse. Por tudo isto, é o momento certo para o sublinhar: Correia de Campos foi um bom ministro. Encerrou as maternidades e as urgências sem qualidade; controlou, pela primeira vez, o horário e a assiduidade dos médicos; atacou o lóbi das farmácias; apostou nos médicos de família e nos cuidados primários; controlou com mão de ferro as despesas hospitalares e responsabilizou os gestores. Tudo medidas oportunas. Poderia ter sido mais prudente, menos conflituoso, mais sereno e menos precipitado. Falhou várias vezes e dificilmente poderia continuar, mas deixou uma marca: serviu o país com seriedade, coragem e conhecimento. O epitáfio está escrito: saiu o ministro que, logo na tomada de posse, simbolizou a luta do Governo contra os grupos de interesse e de pressão.

André Macedo no Diário Económico (excerto, os sublinhados são meus)

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