16.3.06

Amnésia

A primeira vez que o vi, foi à porta da sala de aula. Era a primeira aula da manhã, hora sempre difícil. Mesmo assim tive a certeza de nunca ter visto o rapaz, muito menos naquela turma. Porque o ano já ia em Março.
-Olá, és novo por aqui? A resposta veio desconcertante: -Não me lembro.
- Bom, vamos entrar, falamos lá dentro.
Os colegas começaram todos a querer falar ao mesmo tempo- chegou ontem, e é maluco.
-Ordem na sala, aqui ninguém é maluco. Vens transferido de outra escola?
-Não me lembro. Eu estava a fazer fisioterapia no Hospital da Universidade.
-Ah, estiveste doente?
-Não sei- e insistia na história da fisioterapia.
Era mesmo maluco. – Ok, falamos no fim da aula.
Era esta a história: o rapaz, pelos treze anos, andou meses a ser tratado da sinusite, só que a sinusite era um tumor cerebral. O rapaz foi operado, a operação não terá corrido bem e passou meses em coma. Já ninguém acreditava nele quando um dia resolveu acordar. E quando acordou ninguém sabia o que fazer com o rapaz: era amnésico, sobretudo tinha perdido a memória de tempos curtos.
E um dia apareceu na porta da minha sala de aula. E todo o apoio que eu e os meus colegas tivemos foi: façam o melhor que puderem. E ali fiquei eu, a fazer o melhor que podia, com um rapaz inteligente, mas que a meio da aula se esquecia de onde estava e a fazer o quê.
Ser professor tem estas coisas fantásticas e escrevo esta história para que um dia não me venha a esquecer disso.

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