13.3.06

Adolescentes (III)

J. , uma graça de uma rapariga. Vinha de uma família complicadíssima, com mães, pais, companheiros de mães e companheiros de pais a formarem uma teia difícil de compreender. A mãe tinha tido o primeiro filho aos dezasseis anos e a irmã de J. aos dezasseis anos estava grávida, o que fazia da mãe de J. a avó mais jovem que eu alguma vez conhecera. J. estava integrada na pior turma de míudos a quem eu alguma vez dei aulas. Como é possível ensinar física a adolescentes que não têm o mínimo dos mínimos dos conhecimentos, nem de português nem de nada, criados a porrada e a vinho? A minha luta durante todo o ano que passei com eles foi para os conseguir por a ler qualquer coisa, um livro ou o Record.
No meio da turma J. era um oásis, escolheu um livro para ler - não recomendaria o livro por ela escolhido, mas menos mal - e ia-me dando conta do ritmo de leitura. Mas J. não conseguia alcançar os objectivos mínimos (acho que era assim que se dizia), o que não era admiração nenhuma. A mãe de J. vendia no mercado municipal e J. levantava-se todos os dias às 4 h da manhã para carregar a camioneta com a fruta e os legumes. No fim do ano J. andava aflitíssima porque a mãe tinha-a ameaçado de que se chumbasse não voltava para a escola. E ambas as coisas eram mais que certas, chumbar e abandonar a escola. O conselho de turma confirmou-o, J. tinha mais negativas do que o que era permitido para passar de ano. Na minha disciplina, muito honestamente, e por mais que eu gostasse da rapariga, também deveria ter negativa. Hesitei até ao último momento, mas quando descobri que se a J. tivesse positiva a física passava de ano, mudei a nota, perante a indignação de alguns dos meus colegas. E poucas vezes me senti tão bem com a minha consciência.

No comments: