30.4.08

Cantigas de Maio

Canção com lágrimas

Eu canto para ti o mês das giestas
mês de morte e crescimento ó meu amigo
Como um cristal partindo-se plangente
No fundo da memória perturbada.

Eu canto para ti o mês onde começa a mágoa
E um coração poisado sobre a tua ausência
Eu canto um mês com lágrimas e sol o grave mês
Em que os mortos amados batem à porta do poema

Porque tu me disseste quem em dera em Lisboa
Quem me dera me Maio depois morreste
Com Lisboa tão longe ó meu irmão tão breve
Que nunca mais acenderás no meu o teu cigarro

Eu canto para ti Lisboa à tua espera
Teu nome escrito com ternura sobre as águas
E o teu retrato em cada rua onde não passas
Trazendo no sorriso a flor do mês de Maio

Porque tu me disseste quem em dera em Maio
Porque te vi morrer eu canto para ti
Lisboa e o sol, Lisboa com lágrimas
Lisboa à tua espera ó meu irmão tão breve
Eu canto para ti Lisboa à tua espera...


Manuel Alegre



e que pena tenho de não poder por aqui a voz do Adriano Correia de Oliveira

24.4.08

Dos pombos



Quando é que se passa de bênção a praga? das fotografias por essas praças europeias fora, crianças maravilhadas rodeadas de pombos à cata de um grãozinho de milho, para os avisos nos mesmos locais, não alimente os pombos, os pombos são uma praga, os pombos transportam doenças? E qual foi o papel do homem nessa proliferação e neste volte face? De pombos não sei nada.

Quando os meus filhos mais velhos frequentavam o jardim infantil um dos must de cada saída com as educadoras era o levar dos pombos-correios, que depois iam largando e que traziam de volta notícias da viagem. No dia a dia as crianças escalonavam-se para tratarem das aves. No ano passado, de visita à escola, reparamos no pombal vazio, tivemos que “eliminar” os pombos, os pais andavam em pânico. São outros pombos e são outras razões, mas faz tudo parte do mesmo equilíbrio delicado que o homem teima em destruir.

O exemplo da Suiça


Quando estive na Suiça era lindo ver pelas manhas as crianças a caminho da escola a pé, acompanhadas pelas mães, a meio do dia voltavam a casa acompanhadas pelas mães. No hospital estava sempre a comentar-se que a enfermeira A ia ficar a 50 % para tratar da família, que a enfermeira B estava agora a voltar aos 100 % porque os filhos já estavam mais crescidos, até havia mulheres* com filhos já independentes que preferiam não trabalhar a 100 % porque sim, mas faziam-no porque o homem da casa ganhava o suficiente para garantir um bom nível de vida.




*Mas sempre mulheres, não conheci um único caso de um homem com redução de horário.

Há algo de errado com este país e que tem que mudar


Anteontem fui arranjar as sobrancelhas, num salão confortável, climatizado, musica ambiente pretendendo-se relaxante, a menina, esteticista diplomada, atarefou-se mais de meia hora, tira pelo aqui, tira pelo ali, num trabalho de precisão, no fim paguei cinco euros. Ontem eu e o meu filho "secámos" mais de uma hora numa sala de espera feia e desconfortável, como são quase todas as salas de espera de todos os consultórios médicos que conheço, ao fim de apenas dez minutos de tira lente põe lente, uma miopia com mais meia dioptria e passa para cá oitenta euros.

Partilho de algumas das preocupações da Vieira, mas a mudança tem que se fazer e não é pactuando com a (des)ordem actual e receando a (des)ordem actual que algum dia teremos uma sociedade mais justa. Os recibos verdes são um escândalo. A licença de paternidade até um ano (chamei-lhe, por ignorância, num post mais abaixo, maternidade, o que é até mais realista, porque não serão muitos os homens que ficarão em casa) também não será para todas(os) porque o ordenado vai diminuindo e a certa altura é preciso fazer contas à vida. Mas é um bom sinal.

23.4.08

Três boas notícias



A licença de maternidade que vai aumentar até ao máximo de 12 meses, Portugal a aproximar-se dos países civilizados.

A Hillary que ganhou na Pensilvânia (nunca escondi a minha preferência) e ganha assim novo alento.

A Chuva que parece que vai passar – por favor devolvam-nos os dias bonitos de Abril.



quanto ao PSD vou pela Shyznogud , embora também concorde com o Rui Tavares : "Estão errados, porém, os comentadores que pensam que basta trazer ao PSD gente sisuda para que as coisas se componham."

22.4.08

No dia da Terra: “a feminização da pobreza”



"Ora acontece que há outras mulheres, em muito maior número, que estão muito longe destes problemas e estão condenadas a uma vida verdadeiramente desumana, à negação absoluta de que também elas foram criadas à imagem de Deus. Refiro-me às mulheres de muitos países em desenvolvimento. E se há algumas que já lutam contra a burka ou a sharia, se há mulheres que afrontam todo um sistema patriarcal milenar, a verdade é que a grande maioria nem sequer tem tempo para pensar nestes problemas. Há até uma expressão que na simplicidade cruel da palavra esconde uma realidade terrível: «a feminização da pobreza». No recente documento de Aparecida, os bispos latino-americanos lamentam que inumeráveis mulheres de todas as condições não são valorizadas na sua dignidade: muitas «são submetidas a diversas formas de exclusão e de violência em todas as suas formas e em todas as etapas das suas vidas. Entre elas, as mulheres pobres, indígenas e afro-americanas sofreram uma dupla marginalização»: a marginalização de serem pobres e a marginalização de serem mulheres.

Um dos relatórios da ONU, depois de recordar que dos mil milhões de pessoas que vivem com um dólar por dia ou menos cerca de 70% são mulheres, faz a acusação de que muitas delas «carecem de acesso adequado à educação e aos serviços de apoio e a sua participação na adopção de decisões no lar e na comunidade é mínima. Presa no ciclo da pobreza, a mulher carece de acesso aos recursos e aos serviços para mudar a sua situação». E ali permanecem elas enleadas num círculo vicioso.

Estas mulheres não são lembradas no dia 8 de Março. Talvez se pudesse calendarizar um qualquer dia de Abril para recordar os mais esquecidos dos pobres deste mundo. Porque elas existem e são multidão.

José Dias da Silva, aqui (sublinhados meus)


Ser mãe e ministra da defesa é para muito poucas neste mundo.

21.4.08

Da infância



As coisas em que somos capazes de acreditar: o meu irmão afirma que comeu cão, cão assado.
Vivíamos perto de uma oficina de qualquer coisa, e quando pelo meio-dia os ajudantes de mecânico se sentavam e abriam as marmitas tinham como certo que o meu irmão lá se havia de pespegar a pedir-lhes de comer. Um dia, os rapazes, cansados de ter que partilhar a magra bucha com o burguesinho bem tratado, tentaram dissuadi-lo dizendo que o almoço era cão, cão assado. Azar o deles, ao meu irmão pareceu-lhe bem o pitéu, e voltou para casa, ufano, a contar de como tinha comido cão assado.
Que ele aos quatro anos tenha ido na história, compreende-se, mas que adulto, pai de filhos, continue a acreditar que houve um dia em que comeu cão assado...

das palavras e dos acentos

João Ubaldo Ribeiro e Caetano Veloso acham tudo muito bem, desde que não lhes levem o trema, o trema, senhores, o trema. O que eu tenho andado distraída todos estes anos, nem tinha reparado que no português do Brasil havia o trema. Feitios

Quarta-feira regresso à Ler e ao homem que tem um nome à sua medida, Onésimo Teotónio Almeida, o que eu gosto das crónicas do Onésimo.

A guerra colonial, o absurdo de medir coragens

Era bastante pequena mas lembro-me dos patéticos, para a minha namorada, para os meus pais, adeus e até ao meu regresso, ditos por quem dificilmente teria mais do que a quarta classe, a grande maioria. Por isso ao ler a crónica de Pacheco Pereira de sábado comparando os que iam à guerra com os que escolhiam o exílio, não pude deixar de pensar: porra, desertar não era para quem tinha coragem para isso, num país paupérrimo e analfabeto desertava quem podia, no limite quem podia ter essas inquietações. Por isso concordo inteiramente com o comentário de Vitor Dias

“...uma disputa sobre o que exigia mais coragem - se o exílio se a ida à guerra - é uma disputa artificial, inútil, insolúvel e esvaziada de sensibilidade e grandeza humanas.”

adenda, este post vem no mesmo sentido, para desertar era também preciso poder...

Este país é para os gordos


1 kg de puré congelado Pingo Doce, uma embalagem de cogumelos frescos, uma embalagem de espinafres congelados, um frasco de molho de tomate e manjericão Pingo Doce (maravilhoso a 0.99 euros), carne de vaca escolhida e picada na hora, um empadão delicioso, um jantar para uma grande e deliciosa família, total, 12 euros. Na caixa uma família de pai gordo em fato de treino fluorescente, mãe gorda em fato de treino roxo, menino e menina gordos em fatos de treino azul e rosa pagam 17 euros por nada, chicletes, xupa-xupas, bolachas de chocolate duvidosas, pipocas com sabores, litro e meio de coca-cola. O que fará uma família sair de casa num sábado à tarde para aquilo?

17.4.08

Sporting – Benfica

Ao intervalo – Fixe para ti, mãe.
Na 2ª parte – Fixe para ti, J.

Casamentos

um post do tipo as coisas que eu faço são lindas, são lindas, com a música do Danúbio Azul




A propósito da nova lei do divórcio fala-se de casamentos, de como foram, do que duram.


O meu casamento, o acto de me casar, foi bem engraçado e enquanto eu me lembrar de como foi giro esse dia acho que não me divorcio. Se fosse hoje casava-me de forma diferente porque gosto de festas, de grandes festas, e se o meu ex-futuro marido estivesse de acordo casaria na igreja, porque o nosso casamento é sagrado.

Mas na altura, vai para dezassete anos, não quisemos assim. Aliás nem nos queríamos casar e não fora a minha mãe ter chorado quinze dias seguidos, sabe Deus porquê, não teríamos casado mesmo, ok, isto não vale tantas lágrimas, vamos lá ao registo civil tratar dos papéis. A ajudante reparou que o bilhete de identidade do ex-futuro-noivo caducava dali a pouco tempo e, pragmática, aconselhou-nos a marcar a data antes que isso acontecesse, questão de papéis. Segunda não dá jeito, pode ser terça às onze da manhã, está muito bem.

Não ia de noiva mas a minha mãe convenceu-me a comprar um saia-casaco elegante, escolhi um preto fatal, disseram-me que preto era mau agoiro, troquei-o por um vermelho menos fatal, estávamos bonitos, olho para as fotografias, como éramos novos e bonitos.

Apanhámos o autocarro e encontrámo-nos com as testemunhas à porta do registo. A senhora conservadora, ah, não têm alianças, bom, não é comum mas não é obrigatório, avancemos...

No final tínhamos à espera alguns dos meus irmãos e como o dinheiro não sobrava fomos almoçar a um dos chineses que haveria de ser fechado pela ASAE, e que nessa altura ainda servia porque ainda não tinham inventado a ASAE. A tarde passamo-la a comemorar como comemorávamos tudo naquela época, num tasco da Alta a beber cerveja atrás de cerveja

Se fosse agora faria uma grande festa mas, foi giro e dura...

17 de Abril


Académica -1969


16.4.08

Do divórcio


Ao que parece vai ser hoje aprovada a lei do divórcio “simplex”. Começo por declarar que considero a família a melhorinha instituição neste mundo de doidos. Apesar disso, que nunca homem algum, o meu marido actual ou qualquer um dos futuros, continuasse a aturar-me porque o divórcio é uma chatice de papeladas, um processo demorado etc. Vá de retro. Por isso, considero o argumento, vai ser mais fácil “despedir” a mulher (ou o marido) do que despedir a mulher-a-dias, absoluta e completamente falacioso. Parece-me, ainda, que os que se opõem a esta nova lei, estão a utilizar os mesmos argumentos simplórios e bacocos do não à despenalização do aborto, para quê preocuparmo-nos, abortamos, para quê preocuparmo-nos, divorciamo-nos já, simplex.


A Ana argumenta, e muito bem, com o conjugue-refém.

15.4.08

O acordo ortográfico

não sei o que é, mas sei que é uma treta: tive um namorado brasileiro e entendíamo-nos às mil maravilhas (enquanto durou).

Cada país tem os governantes que merece

Aqui há uns anos eu achava que, gente civilizada, de um país civilizado, nunca poderia escolher para primeiro ministro um tipo mafioso, prepotente e arruaceiro como o Berlusconi (é certo nós, não nós mas os madeirenses, temos (têm) o Alberto João). Errada, o homem ganha as eleições e aparece-me em casa uma das minhas primas italianas a defender com um discurso inteligente e coerente o homem do norte, dizendo-se cansada dos nossos preconceitos de gente que ignora a realidade italiana e as qualidades de Berlusconi.
A família não se escolhe mas, e os amigos?
Pela mesma altura um grande amigo nosso da Umbria tinha regressado a Itália depois de um doutoramento em Portugal. Por cá alguns mais jocosos diziam, vais ver que o A. também votou no Berlusconi. Vocês estão parvos,o A., Berlusconi, nunca. E quando o A. voltou a Porugal dei-lhe conta da má opinião que os amigos tinham dele, mas eu defendi-te com unhas e dentes. Foi quando percebi, pela cara do A., que a ingénua do grupo era eu mesma. São estranhos os italianos.

14.4.08

Para que a semana chegue mais tranquila



Villa Lobos, Bachiana nº 5, aria

13.4.08

I belong in Paris




You Belong in Paris



You enjoy all that life has to offer, and you can appreciate the fine tastes and sites of Paris.

You're the perfect person to wander the streets of Paris aimlessly, enjoying architecture and a crepe.



tentei subverter os resultados, tirar o mousse au chocolat e escolher o tiramisu, no way.
Gosto muito de Paris, é de longe a capital que conheço melhor, já por lá passei largas temporadas, falo francês desde pequenina; mas Paris seria muito melhor, no meu entender, sem parisienses, e se tivesse que os ter, que falassem inglês.


via Vieira do Mar

Académica

teria ficado contente, muito contente, o meu pai. O meu pai que durante anos e anos , quando a Académica não era dolce vita, tinha domingos amargos, agravados pela gabarolice do mano leão. Oiço-o, arrefecendo-me optimismos, mas ainda não está safa.

11.4.08

No dia em que fui à consulta de esterilidade


Um dia recebi em casa um postal do Hospital a avisar-me que no dia tantos tinha uma consulta de ginecologia, motivo, esterilidade. No mínimo insólito, para quem tinha tido dois filhos, seguidinhos nos dois anos anteriores, sem outra intervenção que não fosse a do pai dos ditos. Ainda telefonei para o hospital, mas disseram-me que era assim mesmo, que no dia tantos devia estar lá às 9 horas com o cartãozinho verde. Bem mandada fui, entre nesse vestiário, dispa-se vista a bata e espere que a chamem. O que a chamem tardou, de dentro do gabinete ouvia-se a voz grossa do médico, há quanto tempo não tem relações sexuais com o seu marido? e de dentro do gabinete ouvia-se a voz sumida da mulher, há mais de quinze dias senhor doutor. Há mais de quinze dias? – a voz grossa e indignada do médico – a senhora quer fazer omoletas sem ovos? Oh senhor doutor ele chega sempre a casa bêbado e adormece logo - a voz sumida da mulher - e não ouvi mais. A senhora do vestiário pode entrar. Era eu, entrei, aquilo não era uma consulta, era uma conferência, duas tias médicas pintadas e sarapintadas, colares, pulseiras e anéis, o médico da voz grossa e mais dois imberbes, eu na frente, pés descalços, enfiada na bata desbotada onde cabiam mais três. Oh minha senhora estas hormonas estão muito baixinhas, muito baixinhas, isto é que foi um fim de semana de caça ao javali, vá deite-se ali, deite-se ali para a observarmos.
A cena: duas tias e dois imberbes por detrás de uma secretária, eu de bata azul desbotada deitada na marquesa, um senhor doutor voz grossa e enfatuada na exaltação da caçada ao javali. No final Deus ouviu as minhas preces – e não é que o raio do javali nos escapou. E foi desde esse dia que continuei a não gostar de caçadores.

A blasfema que há em mim


Nem sempre vou à missa, cada vez menos, mas quando vou à missa comungo, para mim faz sentido. Um dia um padre jesuíta disse-me que deve comungar quem mais precisa, talvez por isso...
A Igreja Católica, por considerar que o casamento é um sacramento e por isso indissolúvel, veta aos divorciados que voltem a casar o sacramento da comunhão. Diz D. António Marto, bispo de Leiria*, “Temos de acolher estes homens e mulheres, que trazem dentro de si estas feridas, aproximando-nos com uma solicitude de mãe, de misericórdia. Mas, se deve haver uma atitude de acolhimento e de integração, não se pode passar por cima da verdade das situações. Por isso participam em várias actividades mas não se devem abeirar da sagrada comunhão”.
A blasfema que há em mim responde-lhe, não seria o senhor, D. António Marto, ou qualquer outro homem à face da terra, que mo havia de proibir, estivesse eu nessa situação. A Deus o que é de Deus.

*Na revista Visão desta semana

Este país não é para velhos



Talvez por já ter passado os 40 anos, talvez porque cresci muito devagar e fiz sempre tudo com um atraso mínimo de uma década, talvez porque fui educada numa reverência oriental pelos mais velhos, mais sábios, considere as palavras do Francisco tão justas:

"A ideia de “juventude” transfigura toda a gente mas ainda ninguém teve a coragem de dizer o óbvio, e o óbvio é isto: à juventude falta idade, bom-senso e muito conhecimento e experiência."

Crítica literária

Nem sempre gosto do que esta rapariga escreve, falando de literatura . Às vezes parece-me verbo-de-encher, tenho aqui uma tela em branco vou por isto e mais isto, e isto também aqui fica bem. Não foi o caso da história da Maria Eulália, a cigana que tinha frio de noite.

Este país não é para ninguém

Ontem, cumprindo a tradição de estar sempre atrasada, fui ver o “Este País não é para velhos”: há muito tempo que não tinha tantos pesadelos.

9.4.08

O Mundo é teu

-Na minha escola comemos feijoada.
-Ah sim, e tu gostas?
-Sim, feijoada é muito bom, tem feijão, carne, orelha...
-ah??!!

A Grande Guerra

Sempre me lembro do meu avô Afonso a contar as histórias da Guerra. Forasteiro que chegasse lá a casa, já se sabia, lá está o avô a contar as histórias da Guerra. Lembro-me vagamente de ele falar da muita fome, mas fome a sério, que passaram. Lembro-me de pouco, infelizmente quando ele contava as histórias da guerra eu era demasiado pequena para as entender ou valorizar, mais crescida era a memória do meu avô que o atraiçoava e já não se sabia se era verdade ou efabulação. Tenho muita pena que assim seja e de hoje não conservar registo daquele jovem que em 1917, habituado apenas às ovelhas e às serranias, deixou uma recôndita aldeia da Serra da Estrela rumo às trincheiras das Ardenas. Foi um herói o meu avô Afonso.



celebra-se hoje o aniversário da batalha de La Lys.

A menina e a gata nini

E porque minha faceta mais infantil teve que vir necessariamente ao de cima, pelos motivos infra referidos, gostei muito de uma história (anedota?) que li. É a história (anedota?) de uma menina a quem a professora manda fazer uma composição de 100 palavras (no meu tempo era redacção) sobre um bicho de estimação. A história (anedota?) conta que a menina, que estava pouco inspirada (quanto a mim estava inspiradíssima), escreveu assim: ontem depois do jantar a minha gata nini desapareceu e os meus pais passaram a noite a chamar, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss, bichana, psss.

100 palavras

dez para a uma, uma questão de casting

os desenhos animados do canal 2 são de Lisboa, se não fossem não diriam dez para a uma, mas uma menos dez. Já o insuportável Ruca careca e a sua irritante família são tripeiros de gema e deveriam dizer encontramo-nos à meia-hora.




estamos em casa com virus -mãe, vamos ver os desanimados.

8.4.08

Taj Mahal


O incrível wc de George Jennings (1884). Capaz de evacuar "dez maçãs e uma esponja numa descarga de dez litros".




Os americanos sempre confundiram bem estar com bem estar material, enquanto que os russos da URSS, coitados, ficavam-se pela sua superioridade moral. Há uma história maravilhosa, da qual já não lembro os detalhes, de uma soviética e de uma ocidental a compararem as suas roupas interiores, a soviética defendendo com unhas e dentes os seus horríveis e grossos soutiens de feira perante as rendas delicadas dos ocidentais...

Em 1959 Nixon inaugurou, em Moscovo, uma exposição sobre as conquistas tecnológicas americanas, que tinha como peça forte uma réplica à escala natural de uma casa americana, com todos os confortos da época, alcatifas, electrodomésticos, duas casas de banho, etc. Como é bom de ver estes símbolos do capitalismo só podiam colher o cepticismo e o despeito dos soviéticos que, prontamente, baptizaram essa “maravilha” de Taj Mahal, e Nikita Khrushov terá afirmado, frente a um espremedor eléctrico de citrinos, que ninguém no seu perfeito juízo compraria uma coisa tão tola. Feitios...



esta história do Taj Mahal é também contada por Alain de Botton

Não há bem que sempre dure

Nos primeiros tempos de vida ninguém se importa muito com o que nós fazemos, a nossa existência é só por si suficiente para nos granjear um afecto incondicional. Podemos arrotar, gritar a plenos pulmões, não ganhar dinheiro nenhum, não ter amigos importantes – e sermos valorizados mesmo assim.

Status Ansiedade, Alain de Botton

Status Ansiedade*

Tivesse Alain de Botton conhecido António Aleixo e citá-lo-ia amiúde:

Eu não sei porque razão
certos homens, a meu ver,
quanto mais pequenos são
maiores querem parecer



* de Alain de Botton, um livro muito divertido

7.4.08

Da perfeição



Sylvie Guillem em Smoke (parte 3)


É verdade Charlotte, é perfeita, acho até que me esqueci de respirar enquanto via os videos. Sublime é o menos que se pode dizer.

Hating books: a left brain/right brain problem

Q: i have a problem. i don't know who among your contributors i can ask this question, but here it goes: i've suddenly come to hate books. i used to love them, but something is wrong with me in that i hate them.

A: My guess is that maybe you've been neglecting the right half of your brain. It needs love, too, and reading is a seriously left brain activity. The right brain might be sabotaging you until you entertain it for a while. It loves flirting, and Bourne movies, and the Art Institute. Try baking a cheesecake, or sit on your floor with a box of crayons for a day. Then try again, ...


daqui, descoberto aqui

O Mundo é teu

Mãe, os dias agora estão muito maiores, não estão? Os dias estão tão grandes que chegam até ali... – e aponta para os montes do Roxo

a fita cola

Ouvi a história na insuspeita antena 2 e não me cheirou... lembrei-me logo de não sei quantos pais e não sei quantas mães prontos e prontas a acusarem a pobre da professora primária de hematomas cerebrais geradores de epilepsias, quando o miúdo caiu no recreio ou levou um sopapo do colega, e lhe pareceu mais digno contar em casa que a professora lhe tinha batido.
Afinal parece que a história foi esta, muito mais credível e razoável. Mas, no entretanto, escreveram-se páginas sobre a famigerada professora da fita-cola, queixas na polícia e sei lá mais o quê. No entretanto, crianças verdadeiras vivem verdadeiras histórias de terror, no recato dos seus lares, perante a passividade dos tribunais de família e da sociedade em geral.

aos incautos viandantes*

este blog não é o que nunca foi.






*e o que eu gosto da palavra viandante

6.4.08

As palavras da política


"O problema consiste no facto de que continuamos hoje a usar as mesmas palavras e, pior que isso, os mesmos conceitos de há dois séculos atrás.
...
Desta forma falamos de um mundo que já não existe e, pior ainda, não conseguimos falar do mundo que efectivamente existe."




João Cardoso Rosas, revista Cais, Março de 2008

As palavras da política


"O problema consiste no facto de que continuamos hoje a usar as mesmas palavras e, pior que isso, os mesmos conceitos de há dois séculos atrás.
...
Desta forma falamos de um mundo que já não existe e, pior ainda, não conseguimos falar do mundo que efectivamente existe."



João Cardoso Rosas, revista Cais, Março de 2008

5.4.08

Os meus tios mortos

Foram sempre mortos estes meus tios, dois irmãos do meu pai, um morreu anjinho e o meu pai, que nasceu depois, herdou-lhe o nome, coisa esquisita ficar com o nome do irmão morto, como se não houvesse outro nome. O outro era já um rapagão quando adoeceu com carbúnculo, que naquela época não era coisa de terroristas mas, fatalidade comum de quem convivia com o gado, e o carbúnculo o levou.
Um dia em que vasculhávamos as arcas escuras da casa dos meus avós, descobrimos, no meio das mantas, dos cobertores de papa e das bolas de naftalina, uma fotografia ricamente emoldurada, a fotografia de um menino de calções e camisa, meias até ao joelho, uma ferida no canto da boca, rodeado de rendas e flores, terço nas mãos e estranhamente adormecido. O meu tio morto, que por certo fez parte da decoração da sala da casa até alguém, talvez a minha mãe, o esconder dos nossos olhos curiosos, que meninos mortos não eram coisas para crianças da cidade.

Os mortos e os fósforos

"Era ao cair da tarde – e havia mortos.
Todos muito juntos, enlameados, compridos.
Alinhados, distanciados para sempre, ali aguardando o arrumo definitivo. Ali, ali no cimento frio de um quartel de bombeiros, no fim de um domingo de Inverno.
Eu estava ao telefone, um telefone de moedas de cinco tostões, a dar para o jornal o número de mortos, os seus nomes, as suas idades.
Ia escurecendo, escurecendo, e eu já não via os nomes escritos à pressa, abreviados, secos.
Um bombeiro, uma pilha nas mãos, tentava auxiliar a minha leitura, uma leitura triste, sincopada, hesitante de quando em quando. Eu sabia que tinha os mortos todos atrás de mim, indiferentes, quietos, não se importando absolutamente nada que lhes trocasse os nomes. Mas eu não queria cometer o mínimo erro, o mais pequeno deslize.
“Se tu és João” – dizia para mim – “és João. E se o teu nome é Mário, o teu nome será Mário. E caso te chames Rosa, não te chamarei Lucília.”
E teimava, teimava em ser exacto, pedia, pedia ao bombeiro que mantivesse o foco da pilha sobre o papel em que tinha escrito os nomes dos mortos. E carregava nas moedas de cinco tostões, mantinha a ligação telefónica, identificava-os um a um.
O tempo passava, o tempo passava sem luz eléctrica, e eu estava sempre ali ao telefone, e os familiares dos mortos iam entrando, (que longa bicha!), identificavam os mortos, os nomes dos mortos eram-me dados, e eu dava os nomes dos mortos ao jornal.
Ouvia o choro dos vivos, ouvia o silêncio dos cadáveres, ouvia a noite lá fora – Depressa! Depressa! – diziam-me do jornal – Depressa que é para a terceira edição!
Iam-me faltando as moedas de cinco tostões, sentia-me aflito, pedia que me trocassem moedas de cinco, dez escudos.
E os nomes dos mortos continuavam na minha boca, lidos um a um, o mais exactamente possível.
Como um preito de homenagem.
Como um choro.
Chegavam aos meus ouvidos pormenores da tragédia, da chuva, da lama.
Eu carregava nas moedas de cinco tostões, afligia-me com o seu desaparecimento contínuo e, automatizado já, ia lendo os nomes dos mortos à luz da pilha.
Escuridão total.
– Acabou-se a carga! – disse o bombeiro.
O suor tomou-me o corpo todo – e os meus dedos amarfanhavam o papel com os nomes dos mortos ainda não transmitidos.
E agora? E agora? Agora que a pilha tinha dado de si – que fazer, que fazer?
– Acendam fósforos! – gritei – Estes fósforos!
E assim foi: à chama tremida do enxofre, dos fósforos, acesos um a um, fui lendo o nome dos mortos que restavam, que estavam ainda no papel, sem o mais pequeno deslize.
“Se tu és João” – dizia para mim – “és João. E se o teu nome é Mário, o teu nome será Mário. E caso te chames Rosa, não te chamarei Lucília“.
Quando, finalmente, abandonei o telefone, ganhei a rua, respirei a noite, apeteceu-me loucamente um cigarro, um cigarro que me turvasse, um cigarro para esquecer aquilo tudo.
Meti, os pulmões ansiosos, um cigarro na boca – mas não pude, não pude fumar, não pude acender o cigarro: os mortos tinham queimado todos os meus fósforos."


Pedro Alvim

Diário de Lisboa, Novembro de 1967, as cheias tinham semeado destruição e morte nas paupérrimas aldeias ao redor de Lisboa.

crónica encontrada aqui

1.4.08

Dos antigos

No dia de todas as mentiras este blog, cansado de tanta zueira, remete-se ao silêncio. E assim permanecerá por uns dias. No entretanto oiçam os compositores renascentistas e leiam Ovídeo, o poeta dos antigos.