21.12.07

Um Poema de Natal

Para mim conto de Natal é o conto do Garrinchas do Miguel Torga Andava a pensar nisso, nos mais belos contos e poemas de Natal. Ontem fui à Quinta das Lágrimas ouvir a minha prima Inês e o Victor de Sousa interpretarem o que a Inês chama “as mais belas canções portuguesas”. Embora não fizesse parte do programa, porque estamos no Natal, o Victor de Sousa disse, e disse muito bem, este poema, também do Miguel Torga.


Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.

Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.


Miguel Torga, Antologia Poética, Coimbra, Ed. do Autor, 1981

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